quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Edy

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o tejo não mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o tejo não é o rio que corre pela minha aldeia,
O Tejo tem grande navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia(...)

Esse é um dos meus poemas preferidos. Com ele Alberto Caeiro, que era Fernando Pessoa, quis dizer que embora o Tejo fosse conhecidamente um grande rio, o rio que corria pela aldeia dele era melhor, porque era só dele e de mais uns poucos. Hoje, soube eu, morreu minha avó. É difícil escrever sobre ela, porque ela não era um exemplo típico de avó. Nunca me fez carinho, nunca me assou um bolo, acho que nunca nem me chamou de "meu neto." Eu também não era assim um dos netos preferidos dela - é, minha avó tinha lá suas preferências. Quando era natal, uns ganhavam presentes, outros não. Eu era do grupo dos que não. Mas minha avó me deu muito, mesmo sem saber. Minha avó era historiadora, e cá estou, eu também. Ela adorava escrever, amava nossa lingua portuguesa, a lingua de Pessoa, e eu também. Minha avó era professora, e eu… Minha avó me deu tios e tias que eu, de verdade, amo. E me deu uma mãe que me ama por todas as mães e avós do mundo e que eu amo mais do que muito. Minha avó me deu coisas assim, como dizer, coisas para alma. Os presentes que os outros receberam, já se foram, eles nem têm mais, mas os presentes que minha vó me deu, nunca ninguém me tira.
A vida, por muitas vezes, foi dura com ela. E isso deu a ela uma fachada dura também. Era Guerra a minha vó. Ela foi mulher do século 21 em começos do século 20, educadora em tempos de ignorância, protestante em terra de católicos. Mas a dureza de minha vó era fachada. Por dentro era água, vó-mandacaru. As outras avós cozinham bolos, contam estorinhas de ninar e cuidam do Jardim. Minha avó escrevia livros, contava histórias que realmente aconteceram e foi a primeira mulher vereadora de sua cidade. Adorava política minha avó-cidadã. Há de se entender a minha vó, diferente e imprevísivel. E talvez por isso mesmo, porque era diferente e imprevisível, porque pertencia a apenas uns poucos a quem eu posso chamar família, que era mais livre e maior a minha avó. As outras avós são Tejo, a minha era assim, como o rio que passa em minha aldeia.



César, Kobelus, Tatá, Tay e Saulo, eu respondo vocês no outro post, ok?

12 comentários:

Unknown disse...

acho que agora as pessoas entendem porque toda família precisa de um filósofo,vcs conseguem desnudar a alma das pessoas,sentir, explicar o inexplicável e...fazer chorar !

Koběluš disse...

pô sensei,
sinto muito pela sua perda. Acho que isso é uma coisa pela qual todos passam, mesmo que indiretamente.
Perdi meu avô muito pequeno para saber o que acontecia, mas ainda tenho muito orgulho de ouvir os outros falarem de como ele era um homem inteligente, um dos melhores jornalistas do Rio e uma pessoa muito boa.
Perdi a minha avó já com noção do que acontecia, mas sei que o que será difícil para mim será perder meus avós por parte de pai.
Ontem eu estava no Google Earth e achei a casa que o meu avô morou no interior da República Tcheca antes de vir pro Brasil, ele ficou muito animado.
Acho que se vc faz pequenos atos como esse ou sente uma admiração grande pelas pessoas que já se foram acaba levando algo delas.
Como eu com meu avô que já morreu, nunca o conheci, mas espero ser alguém tão respeitável como ele foi, só pelo que os outros falam.

Grande abraço David san,

se precisar, estamos aí!

Unknown disse...

Oi Davi!!
Não sei se você se lembra de mim. Sou da pacata cidade da nossa ilustre tia Edy...Brinquei algumas vezes com você e seus primos já na cada vez mais distante infância lá em Corrente,rssss.Desculpe invadir seu blog, mas queria deixar aqui minha admiração pelo texto verdadeiro e carinhoso que você fez pra homenagear sua avó.Para nós que a conhecemos mais a fundo, percebemos que você a descreveu da mesma forma que ela viveu, sem tirar nem pôr...Ela sem dúvida foi uma mulher à frente do seu tempo, com atitudes e idéias muito avançadas para a época dela. Esse foi o seu legado...Bom vê-lo por aqui. Abraço! Vladimir Paranaguá e Lago

Unknown disse...

acabei de chegar de teresina e sentimos a sua falta na despedida de vó ... Lindo o texto que transborda em sentimento a descrição da nossa avó.beijos

Elienai Allebrandt disse...

Davi,

Li seu texto falando de sua avó, imagino que você e toda sua família devam estar sentindo muito.
Mas queria te dizer que o que você escreveu me fez pensar em como nossa vida reflete em outras vidas, e que nossas ações são o que ficam neste mundo, e conhecendo a sua família fica fácil perceber a influência que esta mulher teve para todos.

abs

Nai

MILDRED disse...

David,chegamos pela manhã de Teresina,fomos de carro,e e seu pai o culto foi ontem pela manhã seu pai leu do púlpito o que vc escreve no blog sobre sua avó,foi emocionante,que nosso Deus lhe inspire sempre para escrever
coisas lindas e verdadeiras como aquelas,só lamentamos o enterro não ter sido em Corrente bjos da MAMI

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Dinofours disse...

mais uma vez david esqueci do seu blog... fiquei umas duas semanas sem ler e derrepente hoje eu pensei:
"OH my goD Deibido-sensei" logo então estou aqui e acabei de terminar tres páginas de posts cada vez mais inspiradores para ler o próximo. Sempre tive vontade de conhecer o japão pois gosto dessas coisas japonesas que os leigos chamam de desenho japones. E seu blog só esta aumentando minha vontade, obrigado. Sinto muito pela sua perda e sei como deve estar sendo muito difícil para você ainda mais estando do outro lado do mundo. Nunca tive a oportunidade de ver minha avó mais sei que se tivesse seria uma grande honra. Mas as pessoas nunca vão embora completamente elas sempre estarão perto de você quando você mais esperar e para te dar um conselho da hora que você menos espera e as vezes a gente nem percebe isso. Meus pesames para você e sua família.

um Abraço pra vc ai, e até logo.

PS: o comentario que foi excluido foi porque eu fiz o post sendo que estava logado em outra conta, entao eu apaguei e entrei na minha conta para mandar novamente.

abraço

t. disse...

parece ter sido uma grande mulher, essa sua avó.
:)

Thaís Batalha . disse...

O céu foi o presente que ela nunca te deu, David!
Sinto sua perda, e comemoro seus ganhos.
Beijo

cinduca disse...

o poema escolhido e sua aplicação, por ocasião do culto em gratidão a Deus pela vida de minha mãe e sua avó, foi de alguém que conhecia D. Edy. Você David viu o que ela tinha de mais precioso, e que ninguém nos tomará. A marca de uma guerreira, que produziu frutos de qualidade e que dignificou a sua família. Eu tenho orgulho dos pais que Deus me deu, da família que eles constituíram.David você foi extraordinário e seus comentários falaram profundamente a cada um de nós. Te amamos e que Deus te abençoe sempre. Beijos, tios Nogueira e Vera.

Anônimo disse...

Mestre David.

Te desejo toda a serenidade do mundo pra aceitar da melhor maneira possivel a sua perda e pra ajudar aos outros nesse momento tão delicado.

Vc pode não ter sido um dos favoritos dela, como vc mesmo relatou. Mas qualquer pessoa ficaria lisonjeada com uma demostração de afeto tão sincera, tao honesta e consciente. Da mesma forma como ficaria honrada de ter contribuido para a formação de uma pessoa como a que vc é hj.

Toda a paz e conforto pra vc e sua familia.