terça-feira, 21 de outubro de 2008

As elites de tropas

O primeiro a noticiar a ação de uma tropa de elite foi Heródoto. Era Agosto, 480 antes de Cristo, e na estreita passagem de Termópolis 300 soldados de elite comandados pelo rei Leônidas tinham uma missão suicida: atrasar, o quanto possível, um exército de alguns milhares de persas. A desproporção era tamanha que o rei persa, com pena dos espartanos, chamou Leônidas de lado e disse “Ora, deixe disso, nos deixe passar em paz. Veja, nós somos em número muito maior. Nó somos tantos que, se eu ordenasse somente aos meu s arqueiros que lançassem suas flechas neste exato momento, o volume de flechas cobriria a luz do sol.” “ótimo” respondeu Leônidas, “assim lutaremos à sombra.” Acompanhando aqui do Japão o que tem acontecido aí no Brasil, uma pergunta me inquietou: há no Brasil tropas de elite? Cheguei a conclusão de que não, não as temos.
Os mais afoitos vão dizer que estou errado e por fora, afinal temos até um filme “tropa de elite” que levou um tal capitão Nascimento ao posto de herói nacional! Como assim não temos tropas de elite? Eu me lembro de quando saiu o filme em que o “herói” Nascimento bate, tortura e mata. Eu estava navegando pelo site do BOPE quando uma amiga minha que estava perto se interessou. Ela me perguntou o que eu estava vendo, “o site de uma tropa de elite da polícia no Brasil” eu disse, ela falou “Pára de inventar, fala sério, que site é esse?” Ela não acreditava que era um site policial, porque no logotipo havia uma caveira com um punhal cravado de cima abaixo. Quando eu disse a ela que o maior orgulho do dito grupo de elite era uma carro que se chamava “the big skull” minha tosca tradução para “o caveirão” ela disse, meio contrariada, meio incrédula, a famosa não frase de De Gaulle “isso não é um país sério.” Eu não disse nada. Nem podia.
Tropa de elite é cirurgião, não açougueiro. Quando se precisou que o BOPE agisse como cirurgião, como no caso do ônibus 174, um policial de elite errou um tiro a cinco metros do alvo e acertou a refém. Outros policiais de elite mataram, asfixiado dentro do camburão, o sequestrador do ônibus. Veja, no que diz respeito ao BOPE do Rio, aquilo não é uma tropa de elite, é uma tropa de guerra urbana. A melhor do mundo, é verdade, mas tropa de Guerra urbana, não de elite policial.
No mais recente caso envolvendo tropas de elite no Brasil, o GATE de São Paulo negociou por um dia e conseguiu uma refém. Só que no outro dia a devolveu para o sequestrador novamente. O final foi a tragédia que todos nós conhecemos. Não vou entrar no mérito se a polícia deveria ter invadido antes, ou se deveria ter atirado no sequestrador com um atirador de elite. São questões técnicas que não domino e, ademais, não importam tanto. O que importa é que, nas duas maiores cidades do Brasil, quando houve uma necessidade de intervenção crítica das tropas de elite, o resultado foi o desastre. Então, de quem é a culpa?
Os primeiros a quem não se pode culpar são os policiais. No Brasil os policiais de elite treinam mais, trabalham mais, são submetidos a maior pressão e ganham o mesmo de seus colegas de corporação. São pessoas envolvidas com um trabalho desgastante ao qual se dedicam com afinco, quase sempre sacrificando suas famílias, amigos e a si mesmos. Se são mal preparados, a culpa não é deles, é do Estado que os prepara. O Estado que subverteu o que é ser polícia no Brasil, o Estado que permite que uma polícia tenha uma caveira como logotipo e hinos do tipo “Homem de preto, qual é sua missão?… Entrar pela favela e deixar corpo no chão… Homem de preto, que é que você faz?… Eu faço coisas que assustam o satanás”… O Estado que não protege, nem ao policial nem ao cidadão, esse é o culpado. A sociedade desestruturada que o sustenta, é culpada. No mundo todo polícia prende, justiça julga e imprensa noticia. No Brasil, a imprensa julga, a polícia mata e a justiça solta.
O Estado não protege porque aqueles que o comandam, ah, esses têm suas tropas de elite. São as multidões de seguranças particulares, carros blindados e armas de última geração que servem as autoridades e aos endinheirados. E se por acaso esses endinheirados e autoridades são os que cometeram o crime, bem, nesse caso eles têm a outra tropa de elite, de toga preta e assento na famosa praça dos poderes, que dizem que algema na mão de doutor é humilhação, mas nas mãos de preto pobre mostrado em horário nobre é serviço público. Esses donos do poder nunca precisarão dos BOPE e dos GATE, portanto pouco se importam se seus policiais tem o treinamento, material e remuneração adequados. Presidente, senadores, deputados federais e estaduais, governadores, são todos culpados pelas tragédias que todo dia acontecem. Mas não os grandes culpados.
O grande culpado mesmo, esse somos você e eu. Somos nós que achamos normal polícia bater e matar, que achamos normal politico roubar e juiz se achar acima do bem e do mal. Nós, Cidadãos brasileiros, que assistimos a mais uma tragédia, com uma comoção verdadeira mas inerte, que continuamos a votar nos mesmos hipócritas ineficientes de ontem, que vamos nos acotovelar no velório da menina para mostrar nossa solidariedade para com a família da vítima quando o deveríamos fazer nos acotovelando em frente aos palácios de governo, em frente às câmaras de deputados. Sim, porque não se iluda, enquanto as elites tiverem suas tropas, nunca haverá no Brasil tropas de elite. Leônidas sacrificou suas tropas, mas alcançou seu objetivo. O que dói é que no Brasil nossos sacrificados têm morrido em vão.

2 comentários:

Koběluš disse...

Ótimo texto professor,
Enquanto eu acompanhava esse caso da menina eu fiquei imaginando o que aconteceria em um país de primeiro mundo. Nos Estados Unidos eles teriam matado o cara após 9h de negociação ( e isso se reflete na ineficiência da "polícia do mundo" que até com cadeira elétrica ainda é um país com um alto índice de violência).
O pior é ter que aguentar um "Datena" da vida falando que a resolução pra criminalidade do Brasil é implantar a cadeira elétrica também.
Gostei da observação de que doutor não bota algema! É de indignar. Nos EUA (novamente citando) até ator de Hollywood coloca algema (como Wesley Snipes, há alguns meses) ou até heróis dos esportes Como Tyson e O J Simpson, que foi preso novamente).
Eu não vi Tropa de Elite, nem me animei pra ver aquilo, ficar ouvindo brasiliense repetindo as falas do filme ou cantando funk da época que eu era moleque já me deixou irritado.
O que mata é que neguinho leva o filme na brincadeira. Quando eu era moleque eu vi um tiroteio. Estava numa pracinha com meus 3 irmãos minha avó e minha mãe. Um moleque roubou alguma coisa, provavelmente, e um policial o perseguiu. O cara se escondeu de baixo de um ônibus e o policial resolveu tentar atirar, todo mundo correu.
Pra você ver o nível de um policial do Brasil. Em plena praça General Osório, no meio de Ipanema ele faz algo desse tipo.
É por isso que a maioria das pessoas tem mais medo dos policiais do que do tráfico.
Quando alguém fala mal do Rio para mim dizendo que é um lugar que só tem tiroteio eu mostro os fatos: a maioria das pessoas não sabe como está a violência aqui no entorno. No ano passado eu vi uma matéria falando que a violência naquele ano tinha ultrapassado a registrada na Baixada Fluminense; isso por que o Rio tem mais de 400 anos.
Mas é a vida, enquanto neguinho não sentir na pele não vai correr atrás. No Rio já tem anos que pessoas se reúnem pra fazer protestos e aqui?

abraço (escrevi pra camba!)

Unknown disse...

Fifinho,
Primeiro, vc está mto inspirado... vou te mandar um email comum artigo q comenta esse caso Eloá!
Outra...Que coisa ridícula essa história do aquecedor!!! pelomenos ap maior... qdo souber da idenização avise ok?!?!?
bjks!!!