sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Só mais um pouquinho

Japoneses não dizem nada diretamente. Outro dia minha professora de japonês pediu que eu escolhesse um livro para estudar os caracteres chineses. Na verdade ela já havia feito a escolha dela, mas como japoneses não dizem nada diretamente, ela fez mais ou menos como nós fazemos com as crianças: "você quer esse carro feio e quebrado, ou esse outro lindo e maravilhoso?" Bem eu, em uma experiência sócio-antropológica misturada com a vontade de ver o circo pegar fogo disse, "eu quero esse feio e quebrado mesmo."
A minha professora entrou em pânico, e foi engraçado ver a cara de espanto dela. Por dentro eu me divertia muito, mas mantive a linha. Ela me perguntou novamente, mas agora devagar, para ter certeza de que eu havia entendido a pergunta, e eu, tão devagar quanto ela havia feito a pergunta, respondi em bom e alto japonês, "EU QUERO AQUELE FEIO MESMO" he, he, he. Eu queria ver se ela finalmente ia fazer valer a sua vontade e me dizer claramente que ela preferia o outro livro. Na verdade para mim pouco importava o livro que ela ia adotar, eu queria mesmo e que ela não me tratasse como uma criança imbecil e simplesmente me disesse, claramente o que queria. Mas ela não disse. Japoneses não dizem nada diretamente. O porquê disso eu não sei. Talvez a razão seja o fato do Japão ter sido no passado uma sociedade altamente hierarquizada (bem, ainda é), ou porque é próprio da cultura oriental falar por parábolas e coisa e tal, não sei bem. Mas e os brasileiros?
Brasileiros também não dizem nada diretamente. Segundo Sérgio Buarque é por isso que o brasileiro usa tanto o diminutivo. Quando alguém fala "vamos embora" e o outro responde "só mais um minutinho" na verdade este outro está dizendo "Não vamos embora coisa nenhuma!" só que como nós não somos muito de dizer as coisas como elas realmente são, a gente mascara com os diminutivos. O porquê disso? Talvez pelo fato do Brasil ter sido (bem, ainda é), uma sociedade de senhores que mandam e comandados que (nem sempre) obedecem. Como eu digo sempre a vocês, há mais semelhanças entre brasileiros e japoneses do que supõe nossa vã filosofia.
Mas o exemplo mais engraçado da maneira japonesa de ser veio mesmo do consulado no Rio. Um brasileiro aqui que é responsável por contratar professores brasileiros no Brasil para ensinar em escolas para crianças brasileiras aqui, me contou que, de quando em quando, o consulado no Rio nega o visto. Quer dizer, nega não, segundo o consulado "a pessoa se negou o visto, porque não preencheu todos os requisitos necessários para obtê-lo." Sensacional. Não é aquele "não" direto de embaixada americana, próprio dos povos anglo-saxões. É um não japonês, que parece querer dizer, "a gente disse sim, mas você mesmo se disse não, então..."
Mas uma coisa eu aprendi: não é muito bom ficar fazedo experiências com essas nuances culturais. Tem de entender que eles não falam diretamente mesmo e saber ler nas entrelinhas. Veja meu exemplo. Na hora que eu fingi não entender o que minha professora queria, foi muito engraçado. A coitada acabou tendo que adotar o livro que eu, de sacanagem, escolhi. Mas agora em compensação... já me recebeu no primeiro dia de aula com uma provinha básica. Da próxima vez eu vou entender o que ela quis dizer não dizendo.

4 comentários:

t. disse...

tá... eu muito burramente enviei o comentário pro seu email oO
desconsidere-o.

Que terrível vc!
Bem feito pela prova... tsc tsc tsc pobrezinha da professora. aposto que na vida dela, isso nunca tinha acontecido antes!
uhashusauhsauhsa

Koběluš disse...

aproveita que aí você ainda pode tirar onda de aluno...
Quando chegar aqui teus alunos não vão te dar desconto!
Coitada da mulher, nunca deve ter visto isso na vida, aí aparece um brasileiro pra quebrar os padrões.
hauahauahu

abraço sensei

Unknown disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
tadiinha da professora! mas acho que ela deu o troco. a prova tava difícil? :*

Unknown disse...

Não tem jeito de esconder o "espírito de porco", né??? Adora ver a desgraça alheia...Pobre dessa professora que cruzou o seu caminho....